O Som das Molduras – Capítulo 29

Era meia-noite quando Clara despertou com um tremor sutil na parede. O som era baixo, quase imperceptível — como o zumbido de um inseto aprisionado atrás do reboco. Sentou-se na cama, os olhos ainda pesados de sono, e então percebeu: não era apenas a parede. Todas as molduras da casa estavam vibrando.

Levantou-se cautelosamente e percorreu o corredor. Os quadros, paisagens, retratos antigos, naturezas-mortas — tremiam como se algo tentasse atravessar o véu da imagem. O som era mais forte agora, um zumbido grave, constante, pulsando no mesmo ritmo de seu coração.

Aproximou-se do primeiro quadro e encostou o ouvido na moldura de madeira. Imediatamente, um sussurro cortou o silêncio:
“Clara… ainda não terminou…”

Assustada, recuou. As vozes não vinham da casa. Vinham de dentro das molduras.

Curvou-se diante de outro quadro, um retrato de uma mulher sem olhos. A madeira quente ao toque, como se tivesse vida. A voz que emergiu era diferente, trêmula:
“Escreva por mim… não pude… ele não deixou…”

Clara seguiu de moldura em moldura, ouvindo cada uma. As vozes mudavam de timbre, de idioma, de intenção — algumas lamentavam, outras imploravam. Uma dizia:

“Elias nos prendeu… em quadros sem fim…”
Outra chorava baixinho:
“Prometi voltar, mas a tinta secou antes…”

Cada moldura parecia guardar uma história não contada, uma carta nunca escrita, uma confissão sufocada pela ausência de tinta, de tempo ou de liberdade. Clara percebeu que os quadros não eram apenas obras. Eram prisões.

Elias havia selado vozes ali, desejos interrompidos, vontades fragmentadas, almas capturadas no instante anterior ao esquecimento.

Na moldura mais antiga, onde o dourado já descascava, ela ouviu algo que a fez estremecer até os ossos:

“Se você ouve, Clara, é porque é a última. Desprenda-nos. Pinte a saída. Use a mão que sonha.”

Quando o silêncio voltou, um único prego caiu da parede, e o quadro desprendeu-se sozinho, revelando atrás dele uma inscrição gravada direto na parede:
“Toda imagem é um eco de algo que não pôde ser dito.”

Clara entendeu, então, que cada pintura deixada por Elias não era apenas arte.
Era grito.
Era pedido.
Era chave.

O Som das Molduras – Capítulo 29