⟁ O Véu das Dez Mil Faces – Capítulo XXII

Entre os resquícios esgarçados do mundo desperto e o limiar do que sonha em existir, estende-se o Véu das Dez Mil Faces, um tecido antigo como o primeiro medo, ondulando entre dimensões como um sussurro esquecido.

Liora chegou ali guiada por um mapa que ninguém mais conseguia ler, cujos traços se moviam com a pulsação de quem o segurava. Diante do Véu, não havia cor, nem forma constante. Apenas uma superfície viva que dançava, refletindo mil olhos, mil bocas, mil eus.

Ela tocou o tecido e foi tragada.

As Mil Versões de Si

Cada passo dentro do Véu era uma queda, um mergulho em uma versão de si mesma que poderia ter sido, ou talvez ainda fosse.

Era mãe e assassina. Curandeira e carrasca. Criança chorosa. Senhora de guerra. Em cada face, um gesto conhecido. Em cada voz, um eco que feria. As versões a olhavam como espelhos inquietos: umas imploravam por redenção, outras riam de sua fraqueza. Nenhuma era confiável.

Em meio à vertigem de ser tantas, Liora compreendeu o que o Véu escondia: não há um verdadeiro “eu”. Há escolhas. E seus custos.

O Guardião do Véu

No centro da névoa multifacetada, uma figura sem rosto a esperava. Seu corpo era feito de rostos que se alternavam como respirações. O Guardião não falava com palavras. Ele deixava que ela visse.

Mostrou-lhe o instante exato em que ela traiu. O momento em que hesitou. O dia em que perdoou e não devia. O nome que esqueceu de propósito.

Liora caiu de joelhos. Não pelo horror das imagens, mas pela constatação de que tudo aquilo também era ela.

Escolher Qual Face Usar

Ao sair, Liora trazia uma marca no rosto, uma rachadura que refletia todas as faces que havia tocado.

Ela não era mais apenas Liora.
Era todas. E nenhuma.

“Não somos um. Nunca fomos.”

O Véu permanecia ali, sussurrando para os próximos. Sempre sedento por mais versões.

O Véu das Dez Mil Faces – Capítulo XXII