♄ Os Livros que Sangram – Capítulo XVIII

As páginas estavam trancadas por sete chaves encantadas. Mas nada feito de magia viva permanece adormecido para sempre. Num entardecer sem tempo, um dos livros da Cripta dos Sussurros estremeceu — e então, sangrou.

Dali escorreram palavras como veias abertas. Símbolos ganharam forma, parágrafos moldaram criaturas, e narrativas inteiras se desprenderam do papel, caminhando entre os vivos com sede de enredo e vingança.

Liora, a escriba do Velo Carmesim, reconheceu os traços de sua própria caligrafia naquela primeira criatura que a fitou. Era uma recordação — e também uma maldição — que ela mesma escrevera em desespero, anos atrás, quando tentava aprisionar a dor em contos para nunca mais senti-la.

Mas as palavras não esquecem.

Agora, cada história escrita sob emoção intensa — medo, raiva, culpa — ganha carne e vontade. E querem ser lidas de novo. Querem existir. Querem cobrar o que lhes foi prometido nas entrelinhas.

Liora precisa caçar cada um dos seus contos antes que o mundo se torne um livro inacabado — e a realidade, apenas mais uma versão entre tantas.

“Narrar é criar. Criar é liberar.”

E, às vezes, libertar é o pior feitiço de todos.

Os Livros que Sangram – Capítulo XVIII