Cartas que Ferem, Cartas que Curam – Capítulo 5

Ana passou a noite em claro, deitada na cama estreita da pensão simples da vila. Os lençóis tinham cheiro de maresia, e o som do vento balançando as janelas era o único ruído que não vinha de dentro dela mesma. A caixa de cartas repousava aberta sobre a cadeira ao lado da cama, como se respirasse com ela. Cada envelope continha uma tempestade.

Na manhã seguinte, sentou-se diante da janela com uma xícara de chá morno e as mãos trêmulas. Pegou uma nova carta. A caligrafia era a mesma: firme, intensa, como se cada traço fosse cravado com urgência. As palavras, no entanto, traziam feridas. Matteo escrevia sobre escolhas, sobre perdas que Ana nunca viveu, mas que agora doíam como se fossem suas.

“Para a mulher que ainda não conheço”, começava a carta. Ele narrava o amor por uma mulher chamada Helena, descrevia seus olhos como faróis em meio à escuridão. Dizia que, se um dia Ana encontrasse essas cartas, talvez carregasse algo de Helena em si. As palavras pareciam atravessar gerações.

Ana fechou os olhos. Helena era o nome da sua mãe. As coincidências se tornavam impossíveis de ignorar. E naquela carta, Matteo não era apenas um homem escrevendo por amor. Era alguém tentando alcançar o futuro.

Lágrimas escorreram sem que ela percebesse. Algumas palavras curavam. Matteo dizia que os erros do passado não precisavam se repetir. Que a dor poderia ser transformada. Que escrever era sua forma de manter viva uma esperança que ele já não sabia se existia.

Ana passou horas lendo em silêncio. Algumas cartas pareciam confessionários, outras mapas afetivos. Em todas, havia uma tentativa sincera de reconstrução.

Quando saiu para caminhar à beira-mar no fim da tarde, sentia-se exausta, mas mais leve. Algumas verdades machucavam, outras cicatrizavam com uma ternura inesperada. E enquanto o sol descia atrás das nuvens, Ana sentiu que estava começando a compreender por que aquelas cartas tinham sobrevivido ao tempo.

Não eram apenas lembranças. Eram pontes. E ela havia decidido atravessá-las.