☍ O Enlace das Mortas – Capítulo XIV

O céu estava imóvel naquela noite, como se o próprio tempo recusasse seguir adiante.

No Círculo de Sáltera, onde outrora juramentos se desfaziam com sangue e silêncio, pedras ancestrais tornaram a brilhar sob a luz púrpura de um luar inexistente. Ali, onde as maiores bruxas caíram, por traição, vaidade ou poder demais para um só corpo, algo novo se costurava com os fios da morte.

Duas a duas, elas surgiram, vindas de planos onde o calor da carne já não era lembrança. Antigas rivais, agora despidas de orgulho, caminharam lado a lado como iguais. Sem olhos, mas com visão. Sem coração, mas com propósito. Elas não eram mais o que foram, mas tampouco se esqueceram.

A mais velha chamava-se Dareth, a que selou oceanos com um único gesto. A outra, Malenara, foi quem invocou a lua de vidro e desfez sete reinos com um feitiço que nem ela sabia desfazer. Tinham se odiado em vida. Agora, murmuravam em uníssono.

Elas não lançavam mais feitiços. Suas bocas, quando abriam, liberavam memórias tão antigas que faziam a terra chorar. As jovens que as escutavam, vivas, mas frágeis, vacilavam entre o êxtase e o colapso. Porque as palavras das mortas não são ouvidas: são absorvidas.

No centro do Círculo, ergueu-se um altar de ossos trançados, e sobre ele repousava o Coração Silente, uma relíquia que só pode ser ativada por quem já morreu… ou por quem está disposto a morrer um pouco para ouvir.

A aliança se selou sem sangue, sem pacto, sem testemunhas. Apenas com promessas que ecoaram como vento em poço fundo. As bruxas mortas não queriam vingança, queriam continuidade.

Porque o mundo que vem exigirá vozes antigas para guiar mãos novas.
E mesmo na morte…
Elas ainda sabem como destruir um mundo. Ou salvá-lo.

“Morrer foi apenas o início de nossa aliança.”

☍ O Enlace das Mortas – Capítulo XIV