♄ O Último Rastro – Capítulo XXXIV

A neblina nas Terras Interditas nunca se dissipa completamente. Mesmo o tempo parece hesitar ao atravessá-la. Ali, onde o vento não sopra e os ossos do mundo dormem sob camadas de silêncio antigo, algo novo, ou velho demais para nome, se manifesta: pegadas.

Não marcas indistintas. São precisas. Profundas. Recentes. Como se alguém, ou alguma coisa, tivesse acabado de passar.

Liora as encontra enquanto procura respostas nos limites do que ainda pode ser chamado de real. O solo ressecado estala sob seus pés, mas as pegadas permanecem perfeitas, como esculpidas por uma vontade que desafia o esquecimento.

Ela hesita. Toda sua essência, forjada entre sombras, encantamentos e fragmentos de futuro, a alerta. A trilha leva ao Desconhecido Velho, a zona branca nos mapas, o lugar que até os deuses abandonaram. Cada passo à frente é uma ruptura com o mundo que conhece.

As pegadas não pertencem a nenhuma criatura identificável. São humanas demais para serem bestiais, mas distorcidas demais para serem humanas. E há algo mais: elas brilham levemente, como se carregassem o eco de um chamado silencioso, um convite velado àqueles que já não pertencem a lugar algum.

A cada passo que Liora dá seguindo o rastro, vozes caladas começam a sussurrar nas pedras. Não são memórias. São avisos. Lamentações. Testemunhos de quem ousou antes e nunca retornou. As árvores mortas inclinam-se para longe do caminho, como se recusassem ver. O céu escurece mesmo sob sol pleno.

No fim do caminho, se é que há um fim, não espera um monstro, uma resposta ou uma salvação. Apenas a certeza de que seguir é escolher o irreversível.

“Quem a seguir, deve estar pronto para não voltar.”

O Último Rastro – Capítulo XXXIV