O Sopro nas Costas – Capítulo 32

A noite se alongava em silêncio no sótão, e Clara, sozinha entre os quadros cobertos de poeira e significados ocultos, passava os dedos lentamente pelas molduras. Sentia-se estranhamente em paz ali, como se os olhos pintados nas telas fossem menos julgadores que os olhos vivos do mundo.

Parou diante do quadro da mulher com a mão estendida — o retrato que tanto a perturbava. Observou os detalhes: os olhos entristecidos, o gesto incompleto, a pele esmaecida pelo tempo. Era como encarar um eco esquecido do passado.

Foi então que o ar mudou.

Sem aviso, um arrepio percorreu sua espinha. O ambiente esfriou. E ela sentiu — com nitidez perturbadora — um sopro gélido tocar suavemente a nuca, como o hálito de alguém muito próximo, alguém que respirava tempo adormecido.

Antes que pudesse se virar, uma voz sussurrou, baixa e grave, bem atrás de sua orelha:

“Você já se lembra de mim?”

Clara congelou.

Não havia ninguém visível no sótão. O silêncio seguinte foi tão absoluto que o próprio chão pareceu prender a respiração.

A pergunta, porém, ecoava dentro dela — não apenas no ar, mas em suas entranhas, como se tivesse sido feita de dentro para fora. E o mais inquietante: havia algo naquela voz que não era exatamente estranha.

Era como uma melodia esquecida, que se ouve de novo pela primeira vez.

Clara levou a mão à nuca, onde ainda sentia o frio do sopro, e olhou ao redor. Tudo permanecia imóvel… exceto um quadro ao fundo, que agora estava ligeiramente torto — um que ela jurava ter ajeitado momentos antes.

A voz não soava como Elias. Mas tampouco era totalmente diferente da dele.

A pergunta ficara no ar, pairando sobre a realidade como uma névoa.

E se Clara não estivesse tentando lembrar apenas de Elias… mas de si mesma?

O Sopro nas Costas – Capítulo 32