✦ A Semente que Brilha no Escuro – Capítulo 4

A noite caiu com um silêncio mais denso do que o habitual. Nem as rãs se atreviam a coaxar, como se o ar estivesse suspenso entre o que foi dito e o que ainda não podia ser revelado. Maíra sentiu o chamado do campo das flores noturnas logo após a última nota do canto das pedras submersas silenciar dentro dela. Era como se o rio agora apontasse uma nova direção.

O campo ficava além da Colina da Espera, onde o vento costumava soprar em espirais e as nuvens passavam devagar, como se observassem de cima. Diziam que ali, sob a luz da lua, flores de pétalas translúcidas desabrochavam apenas para os olhos dos que escutavam com o coração.

Maíra partiu antes da meia-noite, carregando consigo o espelho do tempo embrulhado em tecido grosso e uma pequena lamparina de óleo de alecrim. Sabia que aquela planta ancestral que procurava só podia ser encontrada sob a bênção da escuridão, quando o mundo desacelera e tudo escuta melhor.

Ao chegar ao campo, parou. Um leve orvalho cobria a relva, e uma brisa morna roçava sua pele como um afago antigo. Não havia flores visíveis à primeira vista, apenas a vastidão escura e o perfume sutil de jasmim selvagem. Maíra se sentou, apagou a lamparina e fechou os olhos. Respirou fundo e ouviu.

Aos poucos, um brilho tênue começou a surgir ao seu redor. Como estrelas que brotassem do chão, pequenas flores foram se acendendo uma a uma, revelando-se em tons que iam do azul profundo ao lilás leitoso. A cada desabrochar, uma nota suave soava no ar, como um sussurro de boas-vindas.

No centro do campo, uma única planta permanecia fechada, envolta por uma névoa esverdeada que não vinha do solo nem do céu. Maíra se aproximou com reverência. Era uma flor diferente das outras. Tinha caule negro e folhas que pareciam conter galáxias. Em sua base, uma semente pulsava com um brilho dourado, como se respirasse junto ao universo.

Ela estendeu as mãos, e a névoa recuou. Ao tocar a semente, sentiu um calor suave percorrer seu braço até o peito. Era uma sensação de lembrança, como reencontrar algo esquecido mas essencial. A planta reagiu, abrindo lentamente suas pétalas, e liberando uma leve névoa azul que se dissolveu no vento. Maíra compreendeu naquele instante que aquela era a semente da memória viva, um fragmento adormecido de um antigo aliado do rio.

Em um tempo anterior às palavras, esse aliado havia sido o primeiro a proteger as águas, oferecendo-se para tornar-se raiz, folha e sombra. Mas seu espírito adormeceu quando os humanos esqueceram de honrar os ciclos. Agora, com a semente em mãos, Maíra teria a chance de despertá-lo.

Mas não bastava plantar. Era preciso plantar no lugar certo, sob o som certo, no momento certo.

Com a semente envolta em folhas de louro e sal grosso, Maíra se despediu do campo de flores noturnas. As pétalas brilhantes foram, aos poucos, recolhendo sua luz, como se soubessem que o tempo de espera havia terminado.

Ao caminhar de volta, ela sentia que os caminhos começavam a se alinhar. O espelho havia mostrado o passado. As pedras haviam cantado a dor. E agora, a semente oferecia uma promessa.

O rio não estava sozinho. Ele ainda se lembrava de quem um dia o amou profundamente. E aguardava ser lembrado de volta.

A Semente que Brilha no Escuro – Capítulo 4