✦ O Guardião de Barro e Fogo – Capítulo 8

Na manhã em que o céu amanheceu dourado, Maíra sentiu uma vibração diferente sob os pés. O chão pulsava como se o próprio rio tivesse um novo batimento. Seguindo o fluxo instintivo do vento, ela chegou a uma clareira onde as margens estavam rachadas e cobertas por resquícios de argila ainda quente. O ar tinha cheiro de terra molhada e brasas recém-apagadas.

Ali, no centro da clareira, erguiam-se formas arredondadas, como se alguém tivesse moldado figuras com as próprias mãos e depois as deixado secar ao sol. Maíra se aproximou devagar, reconhecendo símbolos ancestrais entalhados no barro, os mesmos que via quando criança nas pinturas da caverna do avô. Tocou um dos relevos e, no mesmo instante, o chão tremeu.

Uma forma humana, ainda coberta por fragmentos de barro, ergueu-se do solo. Os olhos, rubros como brasas adormecidas, se acenderam. Não havia hostilidade, mas também não havia sorriso. Ele era feito de barro e fogo, criado por uma linhagem esquecida de protetores do rio. Sua voz não veio pela boca, mas pela vibração do ar ao redor. A linguagem era sentida, não ouvida.

Ele precisava ter certeza. Só os verdadeiros guardiões podiam passar. E o teste não era de força, mas de coração. O ser avançou em círculos, envolvendo Maíra em uma dança de fumaça e calor. Ela fechou os olhos e lembrou-se da primeira vez que ouviu o rio falar. Lembrou-se da dor que sentiu ao ver a floresta sangrar. Lembrou-se do amor que a fez ficar.

Quando abriu os olhos, ele havia parado. A brasa em seu peito apagou-se lentamente e, ao se curvar diante dela, transformou-se em pó dourado, espalhando-se pelo chão como sementes de fogo.

No centro da clareira, onde ele havia surgido, ficou apenas uma tigela de barro. Dentro, uma pequena chama dançava em silêncio, sem consumir nada, como uma promessa acesa.

Maíra sabia. Aquela chama era uma chave. E o tempo para usá-la estava se aproximando.

O Guardião de Barro e Fogo – Capítulo 8