Memórias do Luto

As palavras de Clara naquele dia vinham mais pesadas, como se cada letra tivesse sido arrancada com esforço. Pela primeira vez, ela escreveu sobre a morte da mãe. Não descreveu apenas o acontecimento, mas o vazio que se instalou desde então. Contou de como a ausência se espalhava pela casa, como um eco que não se desfazia. Lembrou do cheiro das roupas ainda guardadas, da sensação de querer falar e não encontrar resposta, da ferida que, mesmo com o passar do tempo, parecia nunca se fechar.

Rafael recebeu a carta e, em silêncio, permaneceu longo tempo olhando para a folha. Sentiu que aquelas linhas não eram apenas confissão, mas também entrega. Então, escreveu de volta, revelando um pedaço de si que raramente permitia sair à tona. Contou que seu pai partira cedo demais e que a mãe, incapaz de lidar com a própria dor, escolhera o silêncio como abrigo. Crescera em meio a ausências: a física de um, a emocional da outra.

Na troca de cartas, não havia consolo fácil. O que surgia era algo mais profundo: a partilha de feridas. Clara reconhecia em Rafael o mesmo desamparo que lhe era familiar; ele, por sua vez, percebia na vulnerabilidade dela a coragem de se despir diante do tempo e da memória. A dor de ambos atravessava décadas, mas era como se, finalmente, encontrasse um lugar para repousar.

E foi nesse espaço criado pelas palavras, nem consolo, nem solução, mas presença que os dois descobriram uma forma de cura. O luto, antes um abismo solitário, começava a se transformar em ponte. Não apagava a saudade, não devolvia os ausentes, mas permitia que o peso fosse carregado a dois, ainda que separados pelo tempo.