As Cartas Perdidas

Duas sextas-feiras se passaram em completo silêncio. Nenhuma carta na varanda, nenhum sinal da caligrafia de Rafael. Clara passou os dias contando horas, como quem espera por um milagre esquecido. Cada som da casa parecia zombar de sua ansiedade, e o vento que antes trazia conforto agora soprava como lembrança de abandono.

O vazio daqueles dias trouxe à tona o velho fantasma da perda. Era como reviver o luto da mãe, como sentir de novo a dor de ter alguém arrancado sem explicação. A esperança se esfarelava pouco a pouco, e Clara começou a duvidar até do que vivera. Teria inventado tudo? Seria Rafael apenas uma criação de sua solidão?

Na terceira sexta-feira, ao abrir a porta, o coração quase parou. Sobre a mesa da varanda, coberta de gelo, havia um envelope manchado. O papel parecia antigo, como se tivesse viajado por um tempo que se desgastava ao tocá-lo. Dentro, uma caligrafia trêmula. Rafael dizia ter adoecido, descrevia febre, delírios, a sensação de estar à beira do fim. Contava que, em seus momentos mais frágeis, escrever era o único modo de continuar respirando.

Clara segurou a carta como quem segura um corpo querido. Chorou sem contenção, sentindo o peso da distância que nenhum tempo parecia capaz de vencer. A intensidade que os unia se transformou em algo novo, mais profundo e mais temeroso. Agora, não era apenas o amor que os ligava, mas o medo desesperado da perda.