✦ O Livro que Não Julga – Capítulo 28

Na esquina de uma rua tranquila, entre cafés antigos e canteiros de lavanda, havia uma livraria de fachada azul-clara, janelas em arco e cheiro de papel antigo misturado com chá de camomila. Era o tipo de lugar onde o tempo parecia repousar, onde as palavras escolhiam seu ritmo e as pessoas encontravam abrigo. Ali, entre prateleiras de madeira e escadas que rangiam em tom de segredo, repousava um livro que não tinha título na lombada, nem autor na capa. Apenas um símbolo delicado, costurado em dourado: uma espiral entrelaçada com um coração.

Ninguém o encontrava por acaso. Era ele quem encontrava. A bruxa que cuidava do lugar, conhecida apenas por Lira, não o oferecia. Apenas observava. Sempre que alguém entrava com o olhar perdido ou o peito apertado, ela apenas sorria e voltava a catalogar livros antigos. E então, o livro se manifestava. Uma lombada que se destacava com um brilho discreto. Um tom a mais de vinho na capa. Um leve sussurro vindo da estante.

Os que tocavam o livro sentiam um calor reconfortante nas mãos, como se segurassem uma xícara de afeto quente. Ele não abria em branco, nem com instruções. Bastava segurá-lo em silêncio e pensar, ou melhor, sentir. O livro ouvia com páginas fechadas. Absorvia sem pressa os pensamentos mais pesados, as dores abafadas, as inseguranças que não cabiam em palavras. E então, quando o coração já se encontrava quase pronto, ele se abria em uma única página.

A resposta nunca era direta. Às vezes era um poema antigo, outras vezes uma frase singela sobre um girassol que insiste em nascer entre o concreto. Havia quem lesse e chorasse sem entender por quê. Outros sorriam como se tivessem reencontrado uma parte esquecida de si. O livro não julgava. Não corrigia. Apenas acolhia.

Lira nunca revelou de onde viera o livro. Quando lhe perguntavam, dizia apenas que há objetos que nascem do desejo coletivo de algo bom, e que o mundo, de tempos em tempos, cria seus próprios curadores de esperança. Ela era apenas a guardiã temporária daquela pequena mágica silenciosa.

Certa tarde, uma jovem entrou carregando nos ombros o peso invisível de mil pensamentos. Seus olhos varreram a livraria como quem procura um lugar onde possa respirar sem pedir licença. O livro a encontrou, como sempre. Quando ela se sentou no tapete entre as prateleiras e o segurou contra o peito, levou alguns minutos em silêncio absoluto. Depois, o livro se abriu sozinho. A página dizia:

“A dor que não se nomeia às vezes só quer ser vista. E você foi.”

A jovem fechou os olhos. Não era a resposta que esperava, mas era a que precisava.

Naquela livraria, entre histórias esquecidas e futuros imaginados, havia um livro que lembrava às pessoas de que ser ouvido, mesmo em silêncio, pode ser o primeiro passo para se sentir inteiro novamente.

O Livro que Não Julga – Capítulo 28