✦ A Guardiã da Boca do Vento – Capítulo XVII 

O silêncio das montanhas era profundo demais para ser natural. Ventos cortantes uivavam entre as rochas, trazendo consigo fragmentos de vozes antigas, promessas quebradas, súplicas esquecidas, nomes que ninguém mais se atrevia a pronunciar. Ali, no ponto mais alto da Boca do Vento, onde o abismo se abria em direção ao invisível, ela permanecia.

A Guardiã.

Nem viva, nem morta, mas eternamente desperta, ela se mantinha diante da fenda entre mundos, o véu rasgado que dava acesso ao lendário Reino das Correntes, um lugar onde o tempo era amarrado por vontades mais antigas que os elementos. A Guardiã não falava. Nunca falou. Mas aqueles que ousavam se aproximar dela sabiam o veredito antes mesmo de serem julgados. Era o vento quem os sentenciava.

Os que carregavam culpa, mentira ou ambição desmedida sentiam o ar se tornar uma lâmina, cortando suas esperanças até que desaparecessem nos ecos da própria ousadia. Já os que vinham por necessidade verdadeira, por desespero ou por sacrifício, podiam ouvir um sussurro, e, às vezes, isso bastava para abrir o caminho. Mas a travessia nunca era garantida. A Guardiã não protegia o portão. Ela protegia o equilíbrio. E o que entrava precisava ter peso suficiente para justificar a ruptura.

Há relatos de viajantes que voltaram mudos, com os cabelos esbranquiçados, olhos fixos e corações ausentes. Outros nunca retornaram. Os poucos que passaram pelos ventos e adentraram o Reino das Correntes deixaram para trás algo que jamais poderia ser recuperado.

E entre as lendas sussurradas nos vales, há uma que diz que a própria Guardiã foi uma das primeiras a atravessar… e nunca mais saiu.

“Ela não fala. Mas o vento responde por ela.”

A Guardiã da Boca do Vento – Capítulo XVII